25 de fevereiro de 2011

Uma questão de perspectiva...




"Ser amigo é entender o silêncio,
a ternura e o mistério."

Ely M. Becker




Uma década é tempo demais para perder, um tempo que os jovens desperdiçam e que a morte sorve avidamente. Quando Rodrigo percebeu que a década chegava a termo, sentiu um arrepio percorrendo-lhe a espinha, já fazia uma década que conhecia Luis, dez anos de um relacionamento coadjuvante em sua vida, um relacionamento que nasceu e permaneceu eternamente na coxia.
Lembrava-se de quando haviam se conhecido, da primeira conversa, dos anos de conversa que culminaram em um primeiro encontro onde Luis lhe serviu a primeira dose de água-ardente e a primeira dose de carinho de sua vida, Rodrigo degustou cada trago, cada toque, tudo foi elevado a máxima potência em seu corpo e em sua garganta, ambos ainda tão desacostumados com o tanger do amor e da embriaguez, e então depois dessa noite cheia de venenos do corpo com a boca destilados, nunca mais se tocaram.
Luis havia se formado em direito fazia alguns anos e Rodrigo iria prestar seu primeiro vestibular dentro de alguns anos, e no hiato de todas estas mudanças, eles quase que sem querer, escorregando,  empurrados, acabaram entrando um na vida do outro, ocupando um vazio constante que teimava em permanecer. Ocupavam-se mutuamente. Nunca se envolveram mais do que isso, nunca se envolveram demais, mantinham-se longe o suficiente para se observarem de uma distancia segura. Essa distância proporcionou a ambos a maior intimidade que haviam conseguido construir com outro ser humano, se viam, por dentro e por fora, a sinceridade estava sempre presente em cada sorriso, em cada "Bom te rever!", de fato era ótimo revê-lo, pensava Rodrigo, era mesmo sempre bom e nunca mentiria a respeito disso, nem para si mesmo.
Ambos mudaram muito. Depois do primeiro vestibular, Rodrigo ainda prestaria outros sete, sempre passando em todos, não cursando nada e nunca satisfeito consigo mesmo. Luis depois daqueles primeiro s anos de trabalho, se estabeleceria como um advogado bem sucedido em sua cidade. Rodrigo ganhara peso com os anos. Luis emagreceu. Equilibravam-se assim, sua relação yn/yang denunciava-se até nas pequenezas do dia-a-dia. Dividiam um sentimento muito singular, sentiam-se responsáveis pela felicidade um do outro, Rodrigo se mudou, a mãe de Luis adoeceu, o amor de Luis o abandonou, o de Rodrigo acabou, mas eles continuavam lá para si.
Sempre.
Os amantes que tiveram, os amores que passaram nunca tiveram a oportunidade de conhecê-los como eles se conheciam. Eram como flores brotando do estrume, e essa analogia fez Rodrigo sorrir. Afinal para qualquer outro, Luis seria uma aposta errada, um homem bonito demais, ninfomaníaco demais, infiel e com fobia de qualquer tipo de comprometimento, mas para Rodrigo ele era o Luis palhaço, o Luis sincero, o Luis que tinha uma coleção de garrafas de pingas, que ajudava a todos a qualquer momento, que o havia consolodado quando a vida havia se revelado amarga, que o havia enxergado quando ele era invisível. E para qualquer outro, Rodrigo era um homem difícil, intenso demais, com a cabeça fervilhando de pensamentos o tempo inteiro, ligado na profundidade de cada momento, mimado e distante, mas para Luis ele era o Rodrigo fácil de lidar, que sorria por qualquer motivo depois da segunda dose e que ficava deliciosamente safado depois da terceira, era inteligente e uma companhia maravilhosa.
Mas não nasceram para amar um ao outro, eram apenas testemunhas de uma realidade que apenas eles conheciam. Estavam posicionados entre o passado e o tão imprevisível futuro, tinham uma perspectiva única um do outro e sentiam-se gratos por possuírem tamanha responsabilidade.
A responsabilidade de mostrar ao outro o que realmente eram, quando o mundo girando e os anos passando os faziam esquecer de si.
Mas quando a brisa estava morna e eles se encontravam sozinhos, cada um em seu mundo, em sua realidade, tragando seu próprio cigarro, eram vez ou outra assombrados pela dúvida: E se tivéssemos tentado, e se estivéssemos juntos? 
Então, mesmo ignorando a existência um do outro naquele momento único, sorriam e pensavam quase simultaneamente:
- Éramos jovens demais e se tivesse acontecido, teria sido para sempre.


Eles ainda não estavam preparados para o "para sempre"...
E quem está?




5 comentários:

  1. nunca estaremos,mas se estivessemos todos sempre preparados eu me pergunto:qual seria a graça?

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  2. que me fez rir e ter vontade de chorar ao mesmo tempo;
    suas linhas são sempre as melhores

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  3. Bravissimo! Esta cada vez melhor e meu orgulho aumentando cada dia mais... Me encannntaa!

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  4. O "Para sempre" é muito vago.

    E por isso é se torna tão cruel.

    Nem sempre é fácil e às vezes a vida pode ser decepcionante.

    Mas vou te dizer uma coisa, é sempre melhor quando estamos juntos.

    Um beijo pra ti moço.
    Se cuida ;)

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  5. gostei mt da primeira e da última frase.
    porém, ao menos eles não foram infelizes, ocmo acontece com a maioria.
    acho que é preferível arriscar ser feliz do que o contrário (:
    gostei do layout da página
    -♥-

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