30 de abril de 2011

Chá das 17h00



"Tomou seu lugar na melancólica procissão que devia passar por uma série de emoções improfícuas. Os religiosos, naturalmente, recomendavam esperança e profetizavam notícias de uma mudança em sua sorte para breve. Vários amigos também contavam a ele histórias verdadeiras mas sempre de outras pessoas a quem, depois de meses e meses de silêncio, haviam sido restituídas do maior sentido - sem o menor sentido ou motivo aparente - e receberam o derradeiro chamado da inspiração. Outros aconselhavam-no a entrar em contato com infalíveis benevolentes que podiam auxiliá-lo de maneira fidedigna em sua ascensão na vida. Roberto ia fazendo, redigindo, assinando tudo que lhe era sugerido, ou posto diante dele...
No devido tempo, quando todas as forças do destino, do fado e, inclusive, suas próprias forças de homem já tinham lamentado profundamente ou sinceramente a incapacidade de haver concluído tantas e tantas tarefas inacabadas etc. etc., alguma coisa cedeu dentro dele, e todos os sentimentos - exceto o alívio - se dissolveram em bem-aventurada passividade. O mundo de Roberto parou e ele sentiu em cheio o sacolejo dessa parada. Agora ele estava parado e o mundo girava mas ele nada tinha a ver com ele - o movimento do mundo não o afetava em nenhum sentido. Ele tinha consciência disso pela naturalidade com que não esperava mais e com que inclinava a cabeça no ângulo certo ao ouvir qualquer murmúrio de simpatia.
Com a satisfação desse alívio ele nem sentiu o tanger do tempo. No fim de mais um ano ele já havia superado a aversão física pelos bem sucedidos e felizardos, e pôde mais de uma vez, tomá-los pelas mãos e desejar-lhes uma plêiade de graças quase que sinceramente. O resultado de triunfos ou derrotas alheios, não o interessava em nada. Mantendo-se a imensa distância, ele defendia opiniões próprias - ouvia-se expondo-as, como agora, para o nada que sempre lhe escutou..."    


p.s. apenas um pensamento transcrito com o gosto amargo do chá-verde sem açúcar ainda na boca. 




8 de abril de 2011

O Diário de Roberto Rodríguez


Bridget Jones's Diary


"E foi assim, bem alí, aquele foi o momento. 
De repente,  percebi que se nada acontecesse logo 
eu viveria uma vida onde meu principal relacionamento 
seria com uma garrafa de bebida. 
E por fim, eu morreria gorda e sozinha, 
e seria encontrada três semanas depois parcialmente devorada por cães, 
ou me transformaria na Glenn Close do filme Atração Fatal."
O Diário de Bridget Jones





Roberto Rodríguez  8/4/11 
Estado civil: há espera de um milagre
Peso 95kg
cigarros 22
unidades alcóolicas 0 (m.b.)
kcal 2.432 (m.b.)
pensamentos de que serei um escritor rico e famoso, casado e feliz 0
pensamentos de que serei um frustrado, desempregado e gordo 1.345




Bem, faz muito tempo que não escrevo um post de maneira mais coloquial e pessoal, sem fru-frus ou linguagem poética, por isso peço agora aos meus caros leitores que me dêem uma colher de chá. 
Decidi escrever este post para contar a vocês (e principalmente a mim mesmo) toda a verdade sobre Roberto Rodríguez
Primeiro vou contar a vocês uma das maiores verdades que descobri nos últimos tempos, beber não engorda, ou pelos menos "não beber" também não emagrece, porque tenho estado limpo há quase duas semanas e não emagreci nadinha de nada, mas voltando ao assunto Roberto Rodríguez, inspirado pela musa de todos os solteiros/gordinhos/esquisitos/fora dos padrões/atrapalhados, a nossa querida, idolatrada, salve salve Bridget Jones, decidi tentar transcrever a minha atual realidade com o intuito de analisá-la e mudá-la. Primeiramente tenho 23 anos, e me sinto como a cigarra que cantou o verão inteiro, e agora que chegou no inverno de sua vida não tem porra nenhuma pra comer, e depende humilhantemente das migalhas das formigas. Não, eu não tenho vida amorosa, acadêmica, profissional, nada, N-A-D-A. Desde os meus 17 anos, quando me atirei ao mundo, tenho cometido uma série de pequenos erros, que me fazem pagar até hoje por suas consequências, nada assim de muito grave, mas é complicado. Sou um homem complicado por natureza, gay, gordinho, tatuado, etc e etc. Sou preguiçoso por natureza e extremamente acomodado, poderia hoje estar gozando de uma vida maravilhosa, mas infelizmente cometi o grave e imperdoável erro de colocar a minha vida nas mãos de outras pessoas, sempre. Sinto como se a minha felicidade nunca de fato, tivesse dependido de mim, e sim de outrem. Tipo, o que fulano vai pensar? Será que siclano vai me ajudar? E se beltrano disser não? E se fulano não gostar? E por aí vai. Mas e o que EU penso? Poxa, eu cobro tanto que o mundo me enxergue de uma vez, ou pelo menos que alguém me enxergue nesse emaranhado de pessoas, mas eu me olho todos os dias no espelho e ainda não tenho certeza do que vejo lá dentro. Não me refiro a termos meramente físicos, reclamo que na minha vida profissional ninguém nunca explorou meus inúmeros talentos, mas eu mesmo nunca me explorei nesse sentido, comecei a tentar coisas novas faz apenas um mês, e fazem exatos oitenta e quatro meses que estou no mercado de trabalho. Reclamo que os caras com quem saí nunca perceberam a pessoa original que eu era e nunca me trataram como eu achava que merecia, mas como tenho me tratado nesses anos todos? Me recriminando, me censurando, me punindo, me privando, me julgando sempre insuficiente? Fazem exatos 84 meses também, desde que dei meu primeiro beijo, e nunca tomei nenhuma atitude a respeito. Preocupante. Quanto a minha família e as minhas amizades também, perdi inúmeros amigos por ser cabeça dura demais, por levar a risca a regra do oito ou oitenta de uma maneira imatura, por descontar neles a insatisfação que tenho com a pessoa que eu sou, por não me sentir especial quando estou sozinho, e querer que eles estejam lá pra levantar minha moral, o que eu quero deles, um troféu de melhor-amigo do ano? Não Sr.Rodríguez, as coisas não são por aí, não acredito nessa psicologia de fundo de quintal dos livros de auto-ajuda, e nem acredito na auto-estima. Não que eu não me ame as vezes, mas a auto-estima se tornou uma espécie de Santo Graal do século vinte e um. Todos dizem "você precisa de mais auto-estima, se valorizar mais!" mas porra, a auto-estima não é um estado de elevação espiritual ou mental que você atinge como o Nirvana, é o resultado de uma equação momentânea, por exemplo: você acorda numa sexta-feira, descobre que milagrosamente a fada-do-abdomen levou sua barriga embora da noite pro dia, sua calça que não servia a dois anos volta a servir, seu rosto amanhece sem espinhas, você faz a barba e sua pele não fica irritada, seu café sai milagrosamente maravilhoso, você vai pra rua e pega seu ônibus na hora, seu trabalho é tranquilo, você volta pra casa toma um banho delicioso, sai pra noite se sentindo um Deus transbordando auto-estima, claro que não é todos os dias que isso acontece, portanto, menos papinho de auto-estima pro meu lado. Além do que, a auto-estima só ajudou até hoje quem não presta, o que vejo de gente por aí que não é porra nenhuma se sentindo um presente de Deus para o mundo só porque tem a auto-estima elevada, e o que vejo também de pessoas maravilhosas, incríveis, sofrendo sozinhas porque querem atingir um grau de perfeição máximo e então encontrar a tão sonhada auto-estima, por favor né? Não aceito mais isso de problemas com a auto-imagem, auto-estima, auto-ajuda etc, a única palavra com "auto" que define meu humor é automóvel, que por acaso eu não tenho, então já viu.
Não quero mais esperar coisas da vida, coisas que não vão aparecer do nada, nem esperar que um dia eu encontre embaixo da cama a minha auto-estima quando estiver procurando a bolinha do meu piercing, nada disso. Prometo sim, não depositar mais minhas frustrações sobre ombros que não sejam os meus, a não ser quando estiver extremamente ébrio, prometo não cobrar dos outros uma atitude que eu mesmo não tomo, prometo também perder meu medo de começar coisas novas, de me livrar de coisas antigas, prometo não achar que qualquer um que aparecer na minha frente vai ser o homem da minha vida, e prometo dar a qualquer um a chance de provar que não é um qualquer também, e prometo me dar a mesma chance.
Tenho a partir de hoje (se o mundo não acabar em 2012) 84 meses para reescrever toda essa história. E quem sabe até, um final feliz, ou um começo... Talvez, seja hora de um novo começo.




Sem mais meus queridos, 
foi só um desabafo de uma sexta-feira.
Beijos sinceros.



3 de abril de 2011

O Rio e o Leão




"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, 
 mas ao lidar com uma alma humana, 
 seja apenas outra alma humana."
 Carl Jung


"Depois de uma grande enchente, o leão viu-se cercado por um rio e ficou sem saber como sair dali. Nadar não era de sua natureza, mas só lhe restavam duas opções: atravessar o rio ou morrer. O leão urrou, mergulhou na água gelada do rio, quase se afogou, mas não conseguiu atravessar. Exausto e quase sem forças, voltou a margem e deitou para descansar.
Foi quando escutou o rio lhe dizer:
- Jamais lute contra algo que não esta realmente presente.
Cautelosamente, o animal olhou em volta e perguntou:
- Me diga, o que não está aqui?
- O seu inimigo não está aqui - respondeu o rio. - Assim como você é um leão, eu sou apenas um rio.
Ao ouvir isso, o leão, mais sereno, começou a estudar as características do rio. Logo identificou um certo ponto em que a correnteza empurrava sozinha a água para a margem oposta, e entrando na água exatamente naquele ponto, apenas boiou até o outro lado sem maior sacrifício."


"The little book of letting go" / "O livrinho do desapego" 
Prather, Hugh. pag. 9. Editora Sexante.



Para aqueles que, como eu, PRECISAVAM ler isso...