19 de setembro de 2013

Quando.

João Carlos Gallazzini e Lucky ♥


"Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar 
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta."

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do mar (1947)



Que mundo vivemos onde numa tarde ao ler o nome de uma pessoa querida no local mais impossível onde este nome deveria estar, nossa realidade toda se transforma. O passado por mais inquietante e dolorido que seja se torna nosso único abrigo, onde podemos revisitar lembranças em nossos momentos mais pessoais. Continuarei sempre revisitando meu querido João, o pai do Lucky, um homem lindo em todos os sentidos, revisitarei a vergonha que senti de conhecê-lo sabendo que minha amiga havia fanfarronamente contado para ele (seu pai) que eu o achava uma graça, revisitarei as ligações dele na rádio dedicando a ela (a filha) músicas dos beatles, em especial Penny Lane. Estarei revisitando continuamente este homem que eu tanto invejava, era o pai da moça que eu gostaria de ter como filha, era o marido da melhor doceira de toda a região e tinha um dos melhores gostos musicais do mundo. Que Perséfone te receba com sua doçura, que essa despedida seja alegre e que todos possamos nos reencontrar.








21 de julho de 2013

Frágil




Era a fragilidade do mundo que lhe atraia, a forma como as coisas deixavam de ser o que eram num piscar de olhos. Contemplava a fragilidade como quem espera o romper de uma bolha de sabão no denso ar, ‘ploc’ e fim. Desde pequeno perdia-se nas fragilidades alheias, era o que mais lhe atraía nas pessoas ao seu redor, a maneira como todas eram frágeis de alguma forma, e como todas escondiam isso. Acabou tornando-se perito em rastreá-las, decodificá-las e trazê-las a tona para seu prazer solitário. Apaixonava-se pelo que era frágil. 





14 de maio de 2013

Casamento Igualitário Aprovado no Brasil


25 DE ABRIL

"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"


Sophia de Mello Breyner Andresen

Brasil, 14 de Maio de 2013. 




14 de abril de 2013

Well, well, well, Gabriel... ♪

Gabriel :3


"Era uma vez um menino que só comia frutas e salvava os animais e fim..."

"Era um bom dia na floresta, o dinossauro estava triste, aí um bichinho falou "porque esta tão triste?" e o dinossauro falou "eu sou muito grande, não posso jogar bola no campo, não vou ganhar", daí o bichinho falou "e daí? o importante é participar!" e fim..."

Esses dois excertos pertencem ao meu sobrinho de apenas sete aninhos de idade, com o lançamento do livro se aproximando, livros tem sido um assunto constante aqui em casa, e ele decidiu entrar na onde e além de apenas ler e ouvir as inúmeras historinhas que contamos, está começando a escrever as suas próprias, para meu orgulho, essa fofura será sempre meu "era uma vez".




9 de abril de 2013

Leak #01

Ilustração: Débora Gallazzini




Neste momento em que me encontro em tão rara e branda racionalidade, com um bom tanto de passividade, decidi tentar (me) entender.
É tombo de moto, Feliciano, ex, hipocrisia, excesso, tanta coisa misturada, minha visão quase sempre passional e exagerada da vida, cheia de extremos, pontos finais, decisões e reminiscências, é tanto um pouco de tudo que me perco facilmente na diária tarefa de existir.
Comecei o ano de 2013 cheio de pontos finais, o que na teoria me possibilitariam um (re)começo brilhante; óbvio que desde que o universo se estabeleceu novos começos existem e não dependem de pontos finais para isso, mas creio que o caos possui um elemento criador e recriador inigualável. Existam tantos aspectos em mim que devem ser trabalhados com mais cuidado, minha hipocrisia em relação a alguns acontecimentos da minha vida, o perdão interno que nunca chega, aquela sensação de dono do próprio nariz que demora a aparecer, o fato de gostar do próprio nariz também tarda, um acumulo de restos, de sobras, excessos, e no meio disso, enquanto me sinto o Cumbre Vieja prestes a entrar em erupção, aquela antiga questão surge, alta como sempre, incerta como o todo: aquilo que esta me sobrando falta em alguém, mas o que me falta será de quem?




10 de março de 2013

A Macaca Catarina




"A macaca Catarina" 
Décio Bittencourt

Trabalhou na enxada a vida inteira
Sem médico, sem padre, sem escola,
No final de uma existência de canseira
A recompensa foi pedir esmola.

De tanto ficar vazia pedindo, pedindo,
Pedindo, pedindo, pedindo, 
Surtou o surto da revolução 
E veio a lei, ora a lei, 
Ninguém chorou, eu chorei.

Morreu a macaca! Catarina* morreu
Todo mundo chorou... Menos eu!

O tuberculoso que escreve cuspindo
Um poema vermelho na página fria
Do cimento da calçada, 
Tem duas mãos fechadas la dentro do peito, 
Lei sem dinheiro não é lei.
No cubículo o tuberculoso aguarda a 
Hemofilia fatal. 

Não há vagas, não há vagas, não há vagas
Não há vagas, não há leito, não há leito,
E ele tem as duas mãos fechadas lá dentro do peito.
Lei sem dinheiro não é lei, 
Ninguém chorou, eu chorei. 

Morreu a macaca! Catarina morreu
Todo mundo chorou... Menos eu!

O operário, a máquina comeu inteirinho
O operário virou picadinho sepulto no ferro
O pistão da máquina parece um punho fechado, 
Que vai, que vem, que vai, que vem, que vai...
Cadê o operário que estava aqui? 
A máquina comeu.

E o patrão que eu não vi?
Saiu de Cadillac, 
Foi a boate e não deve ser amolado.
Alô, o que houve? A máquina comeu 
o operário que estava na liga.
O operário tem seguro de vida?
Eu sei, eu sei, eu sei...
Ninguém chorou, eu chorei.


Morreu a macaca! Catarina morreu
Todo mundo chorou... Menos eu!

Sabe quem morreu também?
A Amélia... açougueira...
Vendia a carne que Deus lhe deu!
Doença de rua!
Inveja a Amélia tinha da cachorrinha da D. Dedé,
Perfumada, comendo bolo, lambendo café!
A Fifi, quando morreu,
Cadelinha de estimação que era, teve até túmulo
no cemitério do Ibirapuera!
Amélia nada. Morreu ali na enxurrada!
A Fifi teve uma cruz quase Calvário.
Um anjo de asa!
A Amélia? Cova rasa!
Entendeu?
Ninguém chorou?
Chorei eu!

Morreu a macaca! Catarina morreu.
Todo mundo chorou... Menos eu!

O mendigo morreu de fome e de frio, 
O mendigo vivia a esmo, 
O único próximo de si mesmo, 
Seu cobertor de duas orelhas era uma cadela de rua
O mendigo morreu de fome e de frio, 
O cobertor estava no cio.
Quando o despertador de pardais 
tocou bem cedo para acordá-lo
Lá no Rio de Janeiro, o mendigo não acordou mais.

A Macaca Catarina cataplasma veterinária 
No braço e na perna, no rabo!
Burguesia vá pro Diabo!



*A macaca Catarina foi o animal mais querido do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro nos anos 40 e 50. Quando ela adoeceu, boletins informavam pelo rádio e jornais a evolução da doença, prognósticos e tratamento até a sua morte. A morte da macaca Catarina foi motivo de grande comoção nacional.







9 de março de 2013

Em branco.




"O toque do nada tudo esvazia..."
A História Sem Fim, Michael Ende.



Decifrar as pessoas era apenas uma habilidade vital que adquirira, advinda de sua quase insana vontade de viver um grande amor.
Via a todos como equações matemáticas simples, essas de primeiro grau, onde o positivo se torna negativo depois do sinal, onde as confusões são controladas com apenas uma rápida olhadela, com destreza ele as somava, subtraia e dividia, enquanto isso elas (as pessoas de sua vida) multiplicavam-se sozinhas em sua realidade.
Por essa vontade de ao menos entender algumas delas, precipitava-se na paixão e algumas vezes no amor, ambos breves demais sem muitos sinais a serem conjugados.
O homem grisalho foi breve também, breve demais.
Homem é uma palavra um tanto exagerada, era apenas um menino, um garoto grisalho, partilhavam da mesma idade, da mesma safra, a única diferença entre ambos eram os cabelos grisalhos do outro.
Um tipo de maturidade física prematura talvez, não sabia explicar ao certo mas o outro era completamente grisalho e isso o atraía, lhe dava uma espécie de segurança edípica nada doentia.
Sentia-se desde sempre estranhamente atraído pela humanidade das pessoas, esta humanidade era sempre representada por algum atributo físico que as distanciavam do padrão industrial de beleza, pintas, pelos, cicatrizes, altura demais ou de menos, peso demais ou de menos, covas, até mesmo a precária habilidade de enxergar enaltecida por um óculos de grau lhe despertavam o interesse em qualquer indivíduo, qualquer coisa que o tornasse mais acessível/aceitável a seu padrão de humanidade também.
O homem grisalho conseguia preencher a todas as suas expectativas com os espaços em branco percorrendo todo o seu corpo, pelos, barba, cabelos, o grisalho era um grande hiato onde ele sonhava em se estabelecer, pelo momento em que este hiato perdurasse.
Mas durou pouco como já mencionei, acontece que em apenas alguns dias depois do grisalho ter-se ido, olhando-se no espelho, percebeu um fio de barba branca em seu rosto, próximo a boca.
Não havia notado antes e nem esperava por isso na juventude que degustava ainda aos poucos, seu primeiro fio branco, seu atestado de envelhecimento, de envolvimento.
O grisalho partira e lhe deixara isso, um espaço em branco perto de seus lábios.
Talvez este fio já existisse bem antes do grisalho e pelo negrume dos outros fios acabou sendo confundido com um brilho, apenas um relance na luz.
Retirou-o com os dedos, uma leve beliscada, uma dor tão breve quanto tudo que já havia se encaminhado, "nascerão três no lugar deste" teria lhe dito sua mãe, segundo ela, em breve ele inteiro estaria coberto por estes espaços em branco também, num efeito acumulativo infinito, logo ficaria devendo espaços em branco ao universo que lhe cercava.
"Arrancarei todos" disse a si mesmo deixando o transparente fio cair sobre a enxurrada da pia.
Não mais de uma semana, la estava, não três mas o mesmo, no mesmo lugar, o fio branco perto dos lábios...
Defronte ao espelho naquele momento, decifrou a si mesmo. 
O vazio deixado pelo grisalho, que tão carinhosamente apelidara de espaço em branco, não poderia ser extinto, apenas preenchido.
Eis a questão: com o que?





19 de fevereiro de 2013

Os Príncipes do meu Reino: Olavo Bilac.

Olavo Bilac



Maldição

Se por vinte anos, nesta furna escura, 
Deixei dormir a minha maldição, 
- Hoje, velha e cansada da amargura, 
Minh'alma se abrirá como um vulcão. 

E, em torrentes de cólera e loucura, 
Sobre a tua cabeça ferverão 
Vinte anos de silêncio e de tortura, 
Vinte anos de agonia e solidão... 

Maldita sejas pelo Ideal perdido! 
Pelo mal que fizeste sem querer! 
Pelo amor que morreu sem ter nascido! 

Pelas horas vividas sem prazer! 
Pela tristeza do que eu tenho sido! 
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!... 

Olavo Bilac, in "Poesias"



Da série "Príncipes do meu Reino", homens encantadores e maravilhosos cujo talento literário eu admiro, hoje, Olavo Bilac, sagitariano, passional, jornalista e poeta, nasceu no Rio de Janeiro, membro fundador da Academia Brasileira de Letras, foi jornalista, poeta, frequentador de rodas de boêmias e literárias do Rio. Deixou de nos brindar com sua beleza física e transcendental em 1918. Não posso ainda definir em palavras o quanto este soneto me defende e me vinga, espero que gostem e procurem ler mais coisas dele.





9 de fevereiro de 2013

Adeus à carne.





"Não há último adeus, senão aquele que se não diz."
Alexandre Dumas



Adeus à carne, em especial a sua, que durante breves e estigmatizados momentos esteve entre meus dedos, lábios e que depois disso, talvez (ainda) esteja em minha memória cognitiva, o tato, o sabor, o não-vem-ao-caso, etc.
Adeus à nossa não-história, cujo final imponho a mim mesmo agora, cujo meio ainda não decifrei e o começo, rebento como todo começo é, não resistiu aos nossos tão raros (des)cuidados. 
Adeus a mim também, o ser que fui, algo construído de fantasias futuras e de um 'eu idealizado' e adiantado para você. 
Adeus às respostas que calaram e as perguntas que finalmente cessaram, dando lugar a uma conformidade pesada, abafada como a atmosfera que precede a tormenta, adeus ao meu tormento que deságua agora.  Adeus à seca, ao silêncio, a ausência proposital, a ausência esperançosa cheia de um 'querer fazer-se presente' por detrás de cada falso não falar contigo, cada vírgula e contexto, cada grito nas entrelinhas, cada silêncio escandaloso demais para ser verdadeiro. 
Adeus à minha infantilidade e ao meu eu-lírico, que ainda acreditava nisso, em nós, em você e principalmente em mim, acreditava que eu conseguiria lidar e organizar diariamente este caos do sabe-se-lá-deus-quando.
Atesto aqui a minha total incapacidade, inaptidão e incompetência em lidar com você.
Eu o desejei por tanto tempo, em desenhos rabiscados, em letras de músicas cantadas a longos tragos, e plenas de sentido naquela ocasião, e agora digo adeus à todas elas, aos sentidos, aos filmes, ao apelido, a metáfora que fomos um para o outro.
Uma parte de mim que cisma em remanescer, ainda se pergunta o quão intenso realmente foi nosso contato, que por mais breve que tenha sido nos encheu em uma única lufada de tanta esperança...
Permanece ainda aquele gostinho de missão não cumprida, mas eu sei que ele também no devido tempo desaparecerá, como nós dois, que o antecedemos na distância da jaculação amorosa. 
Adeus ao não-era-para-ter-sido, adeus ao não-foi-como-eu-esperava.
Adeus ao nosso não saber continuar.
Adeus a nossa parada brusca.
Adeus ao sonho, ao contato, ao tanger em algo aparentemente sólido, coisa tão rara num mundo fluídico de onde fugimos (um para dentro do outro) e para onde retornamos agora, o mundo etéreo que nos recebe de volta, acolhedor em toda sua inconstância.
Adeus ao que somos agora, incompletos, órfãos, errantes, rebentos, mas principalmente, adeus ao que nunca chegamos a ser.
Adeus a lição que nos ensinamos.
Adeus.






15 de janeiro de 2013

Só pra recordar...





"Para cada mal sob o sol 
existe um remédio 
ou não existe nenhum.
Se existir um para o seu 
procure até encontrá-lo.
Se acaso não existir 
isso não deve preocupá-lo."

Mamãe Gansa




6 de janeiro de 2013

O Buraco.




1.
Ando pela rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Eu caio...
Estou perdido... Sem esperança.
Não é culpa minha.
Leva uma eternidade para encontrar a saída.

2.
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Mas finjo não vê-lo.
Caio nele de novo.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ainda assim leva um tempão para sair.

3.
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Vejo que ele ali está.
Ainda assim caio... É um hábito.
Meus olhos se abrem.
Sei onde estou.
É minha culpa.
Saio imediatamente.

4.
Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Dou a volta.

5.
Ando por outra rua.


Texto extraído de O Livro Tibetano do Viver e do Morrer, de Sogyal Rinpoche (Ed. Talento/Palas Athena)



Apenas.