21 de setembro de 2011

O moço de dentro do quadro.

Gustave Courbet 'Self-Portrait, The Despairing Man' 1843-1845



Existe na Lua branca algo de encantado
Aos jovens que lêem essa história, cuidado: 
O ouro e os diamantes apenas têm seu valor,
Para os assuntos que não se tratam de amor.

Aconteceu com um jovem senhor abastado, 
 Ornado de puro bronze, prata e ouro,
E possuindo o rapaz tamanho tesouro, 
Podia desposar qualquer jovem do povoado.

Foi ter imediatamente com a que era mais bela
Mas temeu quando percebeu que a donzela, 
Além de bela também era astuta e inteligente, 
Uma linda fada com o coração de serpente.

Decidiu procurar o pai de uma que fosse bondosa, 
Uma donzela ainda jovem, casta, tímida e formosa
Com um coração leve, sem nenhuma ambição
Candidata perfeita para realizar tal transação.

Acertou com o velho que ela seria a prometida, 
E sendo ele pobre e sem posses não teve saída,
A não ser dar embora a sua única filha amada, 
Nos braços do estranho que cruzou a sua entrada.

Receberá muito ouro por isso meu caro senhor
Que destino melhor há para a filha de um pastor?
Disse-lhe o belo jovem que já estava saindo,
A pensar em seu bom casamento sorrindo...

A bela donzela, porém, já estava apaixonada
E é a partir de agora que a trama fica emaranhada, 
Pois o jovem que lhe despertara tanto sentimento
Era só um moço pintado num quadro do convento.

O artista que o pintou nunca foi revelado
Há muito sua assinatura havia se apagado,
E o modelo da obra havia morrido há tanto tempo
Que lhe restava apenas uma imagem no convento.

E mesmo assim, sem saber por que, ela o amava,
Dia e noite, perdida em si, o quadro admirava, 
E quanto mais os homens diziam-lhe que era bela, 
Mais queria transformar suas cores em aquarela,

E para dentro do quadro ser transportada, 
Ao menos para tocá-lo por um só momento
E assim junto a ele congelar seu amor no tempo,
E no convento ser para sempre emparedada.

Quando soube da boa nova contada pelo pastor, 
A pobre jovem se desesperou em dores, 
Pois estava morto o seu sonho impossível de amor,
De viver ao lado do amado transformada em cores.

O desespero a levou até o topo da colina
Onde vivia uma senhorita traiçoeira
De medo regelou-se todo o corpo da menina
Ao deparar-se com a beleza da feiticeira.

Esta era a primeira moça que o senhor visitara, 
E com o coração inflamado de um ciúmes mortal,
Decidiu que enganaria a pobre jovem aflita,
Para que ela sofresse ainda mais até o instante final. 

Porem sua melancolia era tão verdadeira,
Que nem mesmo a mais poderosa feiticeira
Poderia odiar tamanha criatura inocente, 
E comovida, a bruxa ofereceu-lhe um presente:

"Tenho aqui um feitiço forte e adequado, 
Um veneno da lua, que no eclipse foi destilado, 
Vá durante a noite até o convento disfarçada, 
Com o elixir a tela deve ser toda encharcada, 

E do rapaz pintado se dissolverão as cores, 
E com isso desaparecerá todas as suas dores, 
E quando a tela jazer vazia, branca e acabada, 
Por ele não há de sentir mais nada...

E por mais que agora desprezes teu prometido, 
Ficarás com o coração livre para amar teu marido.
E a deusa da felicidade estará então convidada
A cuidar da tua futura vida de casada."

E a jovem apesar de triste, sentiu-se aliviada,
Sabia que seu amor nunca a levaria a nada, 
Seria mais fácil acabar com seu tormento
E aceitar de bom grado seu rico casamento.

Então durante a noite foi disfarçada, 
E no convento entrou na última badalada
Sem fazer um único barulho, como uma ladra, 
Trazendo em suas mãos a morte do amor engarrafada.

Mas nem tudo saiu como havia planejado, 
Assim que se viu diante do olhar do condenado, 
Um moço tão belo, tão alheio, tão desejado.
Apenas beijou os lábios de seu bem amado, 

Soube que o veneno não poderia derramar
Era muito belo para que o vazio o pudesse apagar, 
E estando ela sem nenhuma saída adequada, 
Tomou todo o veneno em uma só tragada.

Caiu no chão, vendo a luz da lua sobre a tela
Era a última visão que queria ter do mundo, 
E a morte lhe parecia cada vez mais bela
Conforme adormecia em um sono profundo...

O moço do quadro, que estava emparedado
Por tamanho amor acabou sendo despertado, 
No último suspiro da moça por quem era amado, 
E amando-a também, viu-se desesperado...

Sem poder mexer-se, apenas pelo luar observado, 
Para a esfera branca no céu começou a soluçar...
E mesmo sem nenhuma palavra conseguir pronunciar, 
O clamor de seu coração pela lua foi escutado:

"Esta jovem morreu por tanto me amar, 
E eu por ela morreria mil vezes sem pensar, 
Não tenho corpo, nem mãos para lhe tocar
Ou mesmo boca para o veneno mortal lhe sugar...

A dor que eu sinto agora, não existe igual, 
Amar tanto e não poder agir como o devido, 
Não fiz nada nesta vida para merecer tanto mal, 
Preferia mais que o veneno tivesse me diluído.

Tanto amor me foi oferecido por esta donzela, 
Pudera eu retribuir como um cavalheiro o amor dela, 
Viver com meu coração de tinta tão pesado eu não agüento, 
Coloque-me logo para fora, ou a ela para dentro."

E Diana que passeava nos céus, estava calada, 
Viu e ouviu tudo o que se passou emocionada, 
E sendo ela uma Deusa resolveu então interceder
E com sua infinita magia, o seu desejo atender.

Na madrugada silenciosa, ninguém ouvia nada, 
Enquanto isso, Diana já trabalhava apressada.
E tendo a donzela atravessado o Aqueronte, 
Nos braços do moço, amanheceu pintada. 

Essa história, triste, pode até parecer,
Mas com ela há algo a se aprender, 
Não há pranto de um coração partido
Que por um deus bondoso não seja ouvido.

E não se dissolvem as cores do amor
Pintadas pelas mãos de um talentoso pintor
Em um coração antes vazio como tela
Que assim foi preenchido por tinta de aquarela

Fim.


Gustave Courbet - Lovers in the Country Side 1847 - 1848



2 comentários:

  1. Preciso nem dizer que foi perfeito e eu amei e até desconfio de que foi você né?? haha, brincadeira amor, SEU TALENTO É EXCEPCIONAL. Saiba disso. Te amo.

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  2. Maravilhoso o texto, e eu que não conhecia Gustave Courbet agoro mergulho em busca de suas telas.
    "Não há pranto de um coração partido
    Que por um deus bondoso não seja ouvido"
    Muito bom navegar por aqui :D
    Abraço

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