4 de fevereiro de 2009

O Feitiço...♥


No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te meu corpo prometido à Morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como Lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felizmente, em voluptuosas danças...

Volúpia - Florbela Espanca




Éramos todos crianças, eu, minha irmã, e minhas primas, 
estavamos num belo final de semana na casa de minha avó Ivone
a mulher que sempre me lembrará rosas cor de rosa. ela ama  essas flores.
Minha avó é uma excelente cozinheira, sua mãe foi cozinheira de uma das maiores
fazendas cafeeiras da região de Marília, reza a lenda que ela impediu muitas
vezes que meu bisavô fosse morto, cozinhando para os inimigos dele,
e assim abrandando seus corações raivosos. mas essa é uma outra história.
Ivone é a mãe de meu pai, mas tem uma incrivel relação afetiva com minha mãe, Rosana.
Elas estavam reunidas num sabado de manhã, minha avó ama sua cozinha,
e eu sempre fui uma criança gordinha, então gostava de sentar na mesa e ver ela 
e minha mãe cozinharem, assim sempre sobrava uma coisinha pra mim beliscar.
sempre senti , e ainda sinto um maravilhoso cheiro de rosas de jardim naquela cozinha.
Como uma jovem ninfa, minha mãe deslisava da pia para o fogão, e a mesa estava
repleta de ingredientes, esforçando-se em aprender com minha avó
os seus segredos da culinária.
- Rosana, a senhora pode entender muito bem de cozinha, mas meu filho eu conheço
como ninguém! Se você pensa que arroz, feijão, bife, batata frita e salada prendem
um homem, pode tirar seu cavalinho da chuva. Homem gosta é de comida misteriosa, 
cheia de cheiros, que nunca cheirou e de molhos que molham a boca.
Ao ouvir aquela grande revelação, minha mãe teve que admitir que pouco sabia de homens,
e entregou-se as diretrizes daquela sábia cozinheira.
Minha avó então abriu sua gaveta de temperos, que fica aparte num armario de madeira,
que somente ela tem a chave. E com os olhos arregalados minha mãe viu sair de dentro dele,
potes que nunca vira, raízes estranhas, e os mais variados tipos de temperos.
Em pouco tempo, a cozinha ficou tomada por uma nevoa de cheiros. 
Minha mãe perguntou o que era. E minha avó disse baxinho:
- Esse é o perfume que entra pelo nariz dos homens e vai lá dentro e faz um nó!
Ele sempre se solta no primeiro prato. É... o que nós chamamos sabiamente de "entrada".
Pois não é que é isso mesmo?! é uma entrada...
Foi o que a minha avó respondeu aos risos, essa cena aconteceu faz mais de 13 anos já,
mas ainda me lembro claramente, essa frase: "entra e faz um nó!" 
nunca mais saiu da minha cabeça.
Apesar das duas se considerarem boas cristãs e tals, nunca vi nada mais bruxesco.
Um amor que tive no passado, sabia que minha familia tinha uma certa tendencia 
ao ocultismo, bruxaria, gatos pretos e tarot.
ele sempre pediu que eu jogasse tarot pra ele, mas minha mãe sempre 
sabiamente me aconselhou a não misturar essas coisas com o amor, pois dá azar.
Certa vez, eu convidei esse meu antigo amor para jantar em casa pela primeira vez.
não sabia o que preparar, então fiz uma torta de frango com catupiry, uma coisa bem basica.
mas e a sobremesa? lembrei-me dos conselhos da minha avó, 
e fui vasculhar os livros de bruxaria, e encontrei uma receita antiga do festival de verão 
das feiticeiras quando elas festejam a felicidadee a fertilidade,
era um bolo que havia feito uma vez para meus amigos numa festa, 
coloquei papéis com desejos e previsões dentro do bolo, 
num tipo de biscoito da sorte chinês, mas com o formato de bolo.
foi uma diversão bem gostosa, rolou até um roba desejos... mas no pé da receita
havia um aviso que aquela era uma receita que despertava o amor, 
ja que o vinho tinto e a maçã são ingredientes da magia de amor.
Chamei minha mãe e pedi toda a ajuda possivel para realizar aquele bolo, 
conforme ia descascando a maçã, imaginava eu o despindo, na hora de amassar a massa,
 vislumbrava seu corpo nu, e enquanto o vinho fervia,
passei um pouco nos meus lábios pra sentir o beijo dele, 
minha mãe me ajudou muito com conselhos do tipo: 
não mecha para esse lado ou a massa desanda.
deixe o bolo esfriar no forno ou ele sola.
mas no fundo ela sabia da minha verdadeira intenção, e ficou silenciosa quanto a isso. 
Ele chegou, e estavamos só nós dois na cozinha, eu estava bem vestido e cheiroso 
e coloquei a mesa para nós,
ele muito acanhado mal conseguia falar. 
servi a ele um pedaço da torta de frango para disfarçar seu paladar,
mas não via a hora do bolo chegar. então quando ele perguntou sorrindo 
"e a sobremesa?"
abri o forno e tirei de lá o bolo grande, quente e molhado, exalando um perfume 
de maçã e vinho quente.
percebi que ele mordeu o lábio inferior, ele era católico e tinha 
medo de bruxarias e essas coisas, mas ele até fez uma piada: 
" da ultima vez que aceitaram a maçã de uma bruxa não deu muito certo!"
eu sorri e disse: " desse mal você não vai morrer, afinal eu não sou um bruxo."
ele me puxou e me deu um beijo, e cortamos o bolo, ele comeu um pedaço, 
e eu também, então ele pediu com aquela cara de dó mais um pedaço, eu o servi. 
 ele lavou a louça, depois e fomos para a casa de uns amigos onde
estava acontecendo uma festa, ficamos agarrados a noite toda, 
e quando chegamos na casa dele, tivemos uma de nossas melhores 
e mais gulosas noite de amor e sexo, tudo misturado.
no outro dia bem de manhã, ele me acordou com um sorriso malandro nos lábios, 
e tivemos mais uma manhã perfeita de amor e sexo, e foi quando ele me pediu timidamente: 
- faz aquele bolo aqui em casa?
eu aceitei na hora , juntei a maior parte dos ingredientes, e fiz o bolo de novo, 
mas dessa vez com ele, ele comeu as maçãs, ficamos um pouco bebados com o vinho 
e nos beijamos muito na cozinha da prima dele,
e quando o bolo ficou pronto foi servido a todos, mas ele sozinho 
comeu quase a travessa inteira.
achei estranho, mas no fundo imaginava minha avó sorrindo dizendo 
que eu havia herdado seus dotes culináreos, como ela sempre diz a minha mãe 
ao ver que eu preparei alguma coisa gostosa.
Mas enfim, como lhes disse esse era apenas um antigo amor, que eu amei demais, 
e acabamos nos separando, infelizmente, pois ainda gostava muito dele... 
mas nossos caminhos se separaram. porém utimamente percebi que 
ele estava tentando de leve, se reaproximar de mim. 
ontem estava na internet quando meu telefone tocou.
era ele, e com a mesma timidez de antes, perguntou se eu não toparia 
ir na casa dele esse final de semana e fazer o bolo com ele, 
pois ele não lembra da receita, e estava com saudades, e ja estava até 
sentindo o gosto do bolo na boca. 
Eu aceitei a oferta e fiquei de combinar esse final de semana.
Agora fico aqui pensando, será que o bolo deu um nó nele, como diria a minha avó.
se deu ou não, a verdade é que a energia pode ser passada para coisas,
 então cozinhem com vontade, e a sua vontade será tranferida para a comida, 
é o segredo das antigas poções mágicas eu diria.
seja lá como for, agora nesse momento está tudo misturado dentro de mim, 
carne, sangue ossos e amor.
e esse final de semana irei degustar o bolo de maçã com calda vinho tinto.
entre outras coisas igualmente saborosas.

"O amor de todos os mortais
Porque quem gosta de maçã
Irá gostar de todas
Porque todas são iguais..."

A Maçã - Raul Seixas


e agora para terminar, uma simples verdade:
se seu namorado for um bruxo, ou filho de uma bruxa,
ou mesmo neto de uma... não aceite a maçã que ele lhe oferece,
a não ser que esteja preparado para amá-lo,
e nunca mais esquecê-lo.



2 comentários:

  1. Torta! Acho que agora entendo porque uma vez você me disse que seu sobrenome era sugestivo.
    Já percebeu que "coisas misteriosas" atraem até os católicos mais fervorosos?! Acho que isso é próprio dos humanos. O desconhecido fascina. Eu, mesmo sendo cético, confesso que sempre me senti atraído por misticismo, ocultismo etc. Mas reprimir essa atração, pois achava que, como cristão, isso representaria meu passaporte só de ida pro inferno. O caso é que mudei bastante. Ainda sou cristão, ainda sou cético, mas não tenha mais medo do inferno, e não haveria mal algum em só conhecer bruxaria e cia. Eu só não preciso me envolver. Ressalto, porém, que você deu mais força à chama da minha curiosidade. Fiquei criando na minha cabeça essa torta de maça e vinho tinto. Embriaga?!
    Ah. Sua família tem história, viu?! E vc também. Nossa. As surpresas não param.

    Abraço, de seu amigo,
    Léo! ^^

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  2. Que lindo! Me lembrou o filme "Chocolat", de certa forma. A alquimia do alimento realmente existe, assim como tudo onde se coloca "intenção". Eu me lembro do bolo com as mensagens, realmente delicioso, e conheço essa maçã da foto (kkk)!! Ler esse seu relato foi literalmente saboroso. Beijos.

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