23 de dezembro de 2012

“O queijo e os vermes” ou “Ode ao meu egocentrismo, ao que não cabe na dispensa, a penteadeira, a este ano de merda, aos Guaranis Kaiowá, a este fim de mundo interno e ao caralho”.




Sonhos maus não me acordem, forças malignas não me abordem.
Hino para a noite.



Quatro noites atrás fui visitado pelo mais aterrador e realista pesadelo que já vivenciei. Nas brumas do sonho, Morfeu me revelou uma versão de mim mesmo, em terceira pessoa, esta versão que via estava viva e debatendo-se angustiada contra milhares de vermes que lhe cobriam o corpo nu, num esforço inútil de limpar-se daquilo que a consumia.
Acordei atordoado, tomei dois banhos demorados, seguidos por longas contemplações no espelho, vasculhando meu corpo, procurando qualquer sinal aterrador de que havia uma verdade oculta naquele sonho, meu corpo pelo contrário, não demonstrava o menor sinal de ter sido coberto por vermes no meio da noite e a racionalidade aos poucos me acalmou, sonhos são distúrbios químicos irrelevantes, afinal não há vermes, não há sujeira, nada esta me cobrindo e me enterrando vivo da maneira menos cristã possível. 
Mas a quietude que se seguiu do sonho foi apenas o prelúdio da tempestade, não a calmaria da bonança.
Os momentos de solidão que tenho me permitido tem se apresentado ambíguos, entre os benefícios e os malefícios que me trazem.  Analisando-me involuntariamente na terceira pessoa, como a perspectiva do sonho, me vejo cercado de uma realidade quase artificial.
Vejo um homem poluído, emparedado, sufocado por vermes metafóricos e invisíveis.
No ano que se passou, incontáveis mudanças se apresentaram a minha frente, se estabelecendo diante da minha vontade pré estabelecida. Nada demais realmente, isso acontece todos os anos na vida de todos os homens.  
Fui vitima de febres amorosas, infecciosas, que num dia chuvoso peguei sem querer, mas ao contrário dos outros tipos de febres essas febres com nome e sobrenome, se curaram de mim primeiro do que eu delas e partiram, prontas para infeccionar e elevar as temperaturas de outros corpos sem nome. Já eu fiquei com resquícios, efeitos colaterais, tentando me curar delas, uma depois das outras, e não estou ainda gozando da plena saúde física e mental depois delas.
O fato de ter sido atravessado por homens no decorrer deste ano como se fosse feito d’água me mostra apenas a minha fluvialidade, mostra que não estou solido o suficiente para impedir ou mesmo interromper um impacto. Eles sim estão sólidos e rijos em suas definições e crenças de como “não amar”, eles poderiam deter qualquer impacto ou tentativa de contato de um ser tão liquido quanto eu. O que me força a absorvê-los, para depois expeli-los tão intactos quanto antes, já eu, num milésimo de segundo do contato, jamais volto a ser o mesmo. Nunca mais.
Tornei-me com o passar dos anos, uma espécie de cão de guarda de mim mesmo, antecipo todas as ações e os perigos que possam vir a ocorrer e me protejo (de mim mesmo muitas vezes) de formas até violentas algumas vezes.  Se minha vida fosse um conto de fadas, eu seria a ponte, a floresta de espinhos, o dragão e a torre, o resto seria acaso e escolha do narrador. 
Afasto os perigos, mesmo os ilusórios, os que entram no meu reino atravessaram mais de cem esfinges que os questionaram o tempo todo... E quando eles decidem sair, algumas vezes escorraçados, as esfinges destronadas e decifradas erguem novamente suas cabeças como se jamais tivessem desejado em suas vidas questionar qualquer um deles, e o seu orgulho leonino os engana, e todos eles acreditam e sentem pena delas, já elas com suas cabeças erguidas miram o horizonte esperando em seu interior o próximo viajante para destroná-las/decifrá-las.
O amor acontece no meio dessa minha incerteza do que sou, nessa liquidez que me define onde todos enxergam uma solidez tão grande que me assusta. Dizem que tenho opiniões formadas, que busco algo mais sério e mais adulto do que pode qualquer ser humano me oferecer, dizem que não podem me iludir e  então atravessam-me... 
O mundo esta louco, minhas histórias de amor se resumem a uma pedra que vira para a água e diz que não pode lidar com sua solidez, e a atravessa, e a água começa a se sentir mais sólida do que a pedra, e pensa que jamais será atravessada de novo, nisso a água continua sendo atravessada constantemente julgando-se solida e a pedra continua atravessando tudo julgando-se liquida.  
A sempre um presságio de perigo e infortúnio no caminho, mesmo quando a felicidade se abate sobre mim tão forte quanto a desilusão, é sempre uma felicidade pouco creditada, como se fosse um engano do destino, como se fosse apenas um defeito.
Estou cada dia mais sendo obrigado a lidar comigo mesmo neste mergulho obrigatório na minha zona abissal, percebo-me agora no final do ano um ser descontrolado.
Me limpo excessivamente e me sinto sujo, fumo até a garganta pigarrear, então me banho, faço inalação e volto a fumar, os números da balança aumentam numa contagem progressiva que adiantam meu fim, “são as festividades!” digo pra mim mesmo, a saúde se esconde, sinto-me prestes a defrontar uma grande enfermidade que não sei qual é e esta palavra me leva novamente as febres e aos vermes.
Duas noites atrás fui visitado novamente por Morfeu, em outro sonho aterrador, estes vem se tornando cada vez mais freqüentes, ele me apresentava em terceira pessoa, no escuro completo, mas era apenas a casca que tinha a minha forma, o ser que me habitava era outro, estranho, maligno, demoníaco, espreitando nas sombras, rastejando como um animal, e eu assistia isso de fora e ao mesmo tempo de dentro pelas janelas dos olhos, preso em mim e possuído por uma força que não sabia e ainda não sei identificar.
Um dia antes do fim do décimo terceiro Baktun do Calendário Maia, consultei um oráculo para saber o que o final desta era me reservava e das setenta e oito cartas, “O Juizo Final” surgiu, informando o período difícil de grandes decisões que se aproximava nestas férias nada relaxantes, afinal, não se pode tirar férias de si.
Os sonhos, os espíritos, todos conspiram para uma grande mudança na minha vida e já nem sei se estou tão interessado nela, na mudança.
Os vermes, a força que me possuía, a carta do Juízo Final, as férias, as festividades, os homens que passaram, as esfinges dentro da minha cabeça consultando seus vernáculos, as esfinges dentro do meu coração colocando galhos de freixo sob o travesseiro na tentativa de trazer-me um sonho de amor no meio de tantos pesadelos. O armário abarrotado de presentes endereçados a pessoas estranhas, a casca agindo socialmente preocupando-se com a vida de outras pessoas numa tentativa falha de fugir da realidade interior, o mundo exterior que me desconhece completamente, o corpo inchando-se, negando-se... Uma guerra interior e pessoal com aquilo que me persegue trezentos e sessenta e cinco dias por ano e promete continuar me perseguindo neste novo ciclo que começa dia primeiro: eu, dizendo a mim mesmo "decifra-me ou devoro-te".





Realidade: talvez eu esteja constantemente me sentindo rejeitado e me protegendo de uma rejeição futura apenas para lembrar a mim mesmo da minha humana insignificância, tenho uma grande missão nesta vida: me diminuir em todos os sentidos.

Epílogo: Minha mãe com seus sentidos de feiticeira previu a tempestade que se formava dentro de mim e abriu um vinho, talvez demônios e vermes morram afogados, quem sabe, talvez eu esteja tentando me limpar de resquícios invisíveis com o líquido errado...


P.s. Os pontos em itálico são apenas verborragias, cacofonias e distorções, mas foi impossível calar a gritaria com que castiguei o papel.





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