20 de dezembro de 2010

2010, A Tragédia do Homem Comum

John William Waterhouse - Merman



"A tragédia do homem despreparado para a tragédia;
 Esta é a Tragédia do homem comum.
"

Philip Roth



No fim do inverno, ele tomou um onibus em direção a cidade grande de onde escapara, ela escapara entre seus dedos, e ele escapara no meio de suas ruas. Sobravam-lhe agora apenas alguns dias antes que tivesse de estar de volta ao Interior. Antes, trabalhava como Intérprete na Galeria de Arte do Centro Brasileiro Britânico, estava (re)começando a vida acadêmica, cursava desde Fevereiro "História da Arte", se apaixonara pelo curso, e este amor foi correspondido. Era também um poeta, mas não mencionava isso a menos que fosse algo que as pessoas já soubessem.
Durante poucos meses esteve envolvido com um homem da cidade. Até onde sabia, isto estava terminado.
Havia percebido uma coisa sobre si mesmo nessa ultima viagem à cidade grande. É que as pessoas não estavam mais tão interessadas em conhece-lo. Não que tivesse gerado tanto alvoroço antes quando chegara pela primeira vez, para ficar, mas, houvera alguma coisa com que podia contar.
Tinha vinte e três anos, e estava solteiro a dois. Não tinha ficado mais gordo ou mais magro, sua aparência não se deteriorara de nenhuma maneira alarmante, no entanto havia deixado de ser um tipo de homem, e se tornado outro, e só percebera isso nessa viagem.
Impelia-se a acreditar numa força maior, talvez o destino ou os deuses, não que qualquer um destes um dia  tenha lhe dirigido a palavra, mas quando se esta completamente só, sente-se que o único objeto inanimado é você mesmo, as xícaras estão de tagarelisses com os pires, estes por sua vez com os balcões, e ele solitário, alheio a essa conversação inaudível, inanimado.
Abriu as caixas, e embrulhando as louças falantes desajeitadamente, começou a organizar sua mudança. Não havia decidido se queria ou não mudar, mas isso pouco importava agora, a mudança estabeleceu-se antes dele, e tudo o que podia fazer por hora era se adaptar.
Não sabia lidar com mudanças drásticas, sofrera ao mudar-se, ao adaptar-se, ao ser sozinho. Tudo mudaria, estaria cercado de pessoas novamente, mas desta vez, estaria mais ausente de si mesmo.
Foi essa a maior mudança que o ano lhe trouxera, lhe tirou um pouco de si mesmo. A mudança estava pronta. Iria voltar, iria embora, e ao ver as malas feitas, as louças caladas, e os móveis brancos desmontados, sabia que era verdade. Ele mudaria.
Estava leve, deixou um grande pedaço de si mesmo para trás, carregou sua mala com roupas que futuramente não lhe serviriam mais, mas havia espaço de sobra em qualquer canto, afinal, desta vez, não levaria sonhos junto de si.
Ele era agora um homem apagado, que perdera-se de seu dono, como o móvel juntando poeira, o corpo fora de forma, as tatuagens inacabadas, a barba por fazer, o cabelo preguiçosamente raspado. Ele era um homem abandonado, abandonado por sua parte mais forte.
Não tinha projetos a longo prazo, nenhum. Não tinha sonhos ou metas para o próximo ano. Não sabia se lhe seria devolvido o "si mesmo" roubado pelo ano que agora terminara.
Esperava ansiosamente a chegada do outono, quando pretendia recolher-se. Aprendeu sozinho que num ano de mudanças, o coração se parte, ou se perde.



p.s. que o próximo ano me encontre, e me devolva a mim mesmo.


3 comentários:

  1. espero q tudo se encontre em seu devido espaço

    p.s. avisa quando for pra fazer chorar

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  2. O mundo não acaba ali onde a vista alcança.
    Quem não ouve a melodia acha maluco quem dança. Se você já me explicou agora muda de assunto, hoje eu sei que mudar dói, mas não mudar dói muito mais...

    Que texto bom, muito bom.
    Conte comigo sempre sempre!

    Beijos

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  3. É, Beto. 2010 não foi um ano fácil pra ninguém, pelo visto. Mas, definitivamente, você passou por poucas e bo... ops, quero dizer, poucas e más (mais apropriado). A única coisa boa ultimamente é o fato de que o ano já está acabando e teremos mais uma página totalmente em branco para ser escrita.
    Ah, você não se sente mais forte agora, depois de ter passado por tudo que passou? No momento em que os infortúnios ocorrem, parece que pouco a pouco nosso chão vai desabando. Mas quando recobramos o real sentido de tudo, percebemos que ganhamos uma carapaça extra, pra nos protegermos dessas coisas incômodas.
    Ah, e serve de consolo, eu ainda continuo imensamente interessado em conhecer você, do mesmo modo que estava quando tivemos nossa primeira conversa. Pois, como eu disse no texto-homenagem que lhe dediquei:

    "Conhecer o Beto é como dedicar a vida aos estudos, você pode passar anos o observando e a cada dia vai descobrir que há sempre mais para saber a seu respeito e uma surpresa em cada nova descoberta".

    É impossível ser seu amigo e ficar entediado.

    Hasta siempre, hombre!
    Abrazo! ^^

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