11 de abril de 2012

O cumprimento da solidão.

Solidão - Marina Harris



"No deserto estão secas as pedras que no mar se molhavam.
A semelhança confunde o eremita, que solitário demais passou 
o tempo entregando-se á solitária memória.
Aqui, a pedra seca, para o eremita não perdeu a qualidade úmida 
de poder ter estado aos pés do mar..."


Poética do Eremita, Fiama Hasse Pais-Brandão



Uma noite no verão deste milênio, lembro-me perfeitamente de ter me sentado na varanda da casa de alguma amiga e em sua companhia tentei, ao menos da melhor forma que podia devido à leve alteração dos sentidos causada pelo álcool consumido anteriormente, procurar em minha mente algum tipo, qualquer tipo de homem ou criatura que me interessasse e que por um feliz acaso do destino estivesse já de alguma forma inserida em minha realidade, seja fisicamente, profissionalmente, qualquer um dos cento e trinta mil habitantes de minha localidade.
E então a resposta veio assustadoramente clara, uma resposta tão real, tão tangível, bem ali ao meu alcance, aquele tipo de certeza tão óbvia que quando a procuramos simplesmente a encontramos, mesmo que esta não seja a maneira mais divertida de encontrar aquilo que queremos, gostamos da busca, da dúvida, da caçada animal, algo que sempre esta ali a distancia de um toque não nos agrada, e a resposta para a minha pergunta esteve sempre ali, talvez por isso tenha demorado tanto para que finalmente pudesse enxergá-la: não havia ninguém, não há ninguém.
Não há ninguém aqui por perto que eu queira de fato conhecer, sem que de alguma forma já não tenha conhecido. Minhas preocupações quanto a este alguém ultrapassaram as esferas epidérmicas do ‘encaixá-lo na minha vida social’, ‘ter bom gosto musical’, ‘não ligar para o fato de eu estar acima do peso’, ‘não se importar por eu ser fumante’, entre tantas outras preocupações nebulosas que a primeira vista parecem tão aterrorizantes, mas depois de uma pequena reflexão tornam-se fúteis demais...
Tudo ficou para trás de repente, todas as perguntas não respondidas, todas as suposições, simplesmente pelo fato deste alguém não existir, ao menos não aqui, que eu saiba.
Nada disso tem haver com as expectativas quanto ao parceiro perfeito, à relação perfeita etc, como disse, todas as esferas fúteis já foram transpostas há muito tempo.
Bem, a verdade é que ser homossexual já dificulta muito conhecer alguém através das maneiras convencionais, afinal nós vivemos em um microcosmo mais fechado, onde geralmente todos se conhecem de alguma forma, então é muito raro, salvo raras exceções, conhecer alguém completamente novo, alguém cuja existência você desconhecia completamente até aquele momento em que trocaram olhares, e esta é infelizmente uma das coisas que mais valorizo. 
A internet neste ponto é uma tabua de salvação, só que não. Ao mesmo tempo em que ela possibilita encontros determinantes em nossas vidas, com almas profundíssimas, com indivíduos que gostaríamos de reproduzir em larga escala, ela nos limita ao contato virtual. 
Sim, todos praticamente já tiveram em algum ponto uma paixão/relação virtual, alguns de nós, como eu, já enfrentaram pelo tempo que puderam os limites que essa virtualidade impõe sobre um casal. E como sempre, cedo ou tarde o laço se desfaz, desistimos, afinal é um trabalho de Hércules organizar em nosso dia-a-dia a equação ter/não ter alguém/ninguém. 
 A sensação de estar isolado em uma área cujo cumprimento é incalculável, onde o único ser vivo da sua espécie é você é terrível. Creio que esta sensação apenas eu e o Mico-Leão-Dourado conhecemos de perto. Não que eu seja um ser em extinção, pelo contrário, como eu existem tantos e tantas, todos do mesmo planeta, o planeta ausência-de-qualquer-coisa-que-não-seja-nós-mesmos, vinte e quatro horas por dia. 
Uma vez me disseram que ter um relacionamento é adquirir uma testemunha voluntária para sua existência, e enquanto não se adquire tal testemunha, vivemos sós, para nós. Já diria o Mefisto de Goethe que até mesmo o paraíso se transformaria no inferno se estivéssemos nele sozinhos, obviamente não penso que os solteiros do mundo inteiro vivem num inferno, afinal ser solteiro não é sinônimo de ser sozinho, e ser sozinho também não é sinônimo de solidão.
Eu mesmo não sou um ser sozinho, tenho inúmeras almas irmãs da minha que me cercam, me cuidam, me enxergam, mas o que de fato me preocupa é o diâmetro desta solidão em que me encontro, a solidão da perspectiva de encontrar alguém, para resolver esta equação só me resta uma coisa, o raio.
O raio eu irei obter apenas quando o ponto ‘B’ se apresentar na minha vida. Sim, porque se sou o ponto ‘A’, ao me ligar finalmente ao ponto ‘B’ estabelecerei a distancia do raio e poderei calcular finalmente o cumprimento deste meu mundo onde só eu habito, onde só eu estou dentro do espelho todas as manhãs. 
Não encarem este texto como uma reclamação, é apenas a constatação de que por mais independente que seja uma alma, por mais livre que tenhamos nascido e que nos tenhamos mantido durante toda a vida, até mesmo o diâmetro de nossa existência só poderá ser identificado através do raio, o raio que liga você até a outra pessoa que por enquanto está do lado de fora, mas que um dia estará dentro de você, e então ambos fecharão as portas.





A + B = R
C = 2 x π x R