26 de junho de 2012

To bear or not to bear?



“Normalmente, são tão poucas as diferenças de homem para homem 
que não há motivo nenhum para sermos vaidosos quanto a elas.”

Barão de Montesquieu.




A relação entre seres do mesmo sexo genético sempre existiu, eis um fato, esta relação esta evidente desde os primórdios da humanidade, no reino animal, e recentemente até mesmo no vegetal. 
Eu, particularmente, discordo que a minha homossexualidade possa ser explicada de uma forma biológica, física e/ou psicológica, todos nós os chamados “desviantes patológicos”, somos doentes mentais. 
No final do século XIX a medicina, a biologia e a então recente psicologia resolveram categorizar todas as doenças humanas, foi então em 1869 que foi criado o termo patológico homossexual. 
Antes dele, a sociedade ocidental dominada moralmente pelo cristianismo, utilizava o termo “sodomita” (“aquele que veio de Sodoma”, cidade da mitologia bíblica em que toda forma de “luxúria” era aceita, atraindo assim a ira de Deus) para identificar o homem que gostava de se relacionar eventualmente com outro, este ser era considerado um verdadeiro “safado”, um pecador, que após rezar algumas “aves Maria” era então perdoado. Isso já não acontecia com o recém descoberto homossexual, cria-se então um personagem com toda uma conduta pré estabelecida, com uma patologia definida, e até mesmo com uma pretensa cura. Este personagem só se libertará deste estigma em 1970, nos EUA, quando pela primeira vez na história, a “homossexualidade” deixa de ser uma patologia. Infelizmente outros personagens tão interessantes e complexos como os transexuais, transgêneros e travestis, não tiveram a mesma sorte e continuam até hoje sendo considerados como doentes mentais, exceto na França, que em 2010 se tornou o primeiro (e infelizmente único) país do mundo que além de considerar os desviantes sexuais como normais, considerou os desviantes de gênero como normais também. Por isso, desconsidero as descobertas psicológicas, fisiológicas, biológicas que tentam explicar a homossexualidade latente do ser humano, pois tentam explicá-la ainda como se fosse uma doença, que necessita de uma explicação e futuramente de uma erradicação. 
Aprecio a minha liberdade de ser o que sou, sem precisar me explicar o que sou, sem precisar me entender.
Mas esta é apenas a minha opinião, doentes mentais ou normais, esta patologia impediu por muitos anos que nós homossexuais exercêssemos nossos direitos civis, e ainda hoje, quarenta e dois anos após a nossa despatologização vivemos à sombra da sociedade, somos considerados um tabu e a homofobia social é implacável, desde o começo do ano no Brasil, se mata um homossexual ou transexual a cada 24hrs, levando o Brasil a ser considerado um dos países com o mais alto nível de homofobia do mundo. Triste.
Uma cultura tão massacrada quanto a cultura gay, que nasceu, se criou e se alimentou nas rebarbas sociais acabou se ramificando com o passar dos anos.
Cada subcultura gay reflete uma forma aprendida de lidar com a atração sexual, o desejo, a revolta, a proibição, a inclusão ou a exclusão social. 
No começo dos anos oitenta em São Francisco, uma dessas subculturas ganha nome, os “Bears”. 
Nascidos de uma fusão dos gays motociclistas, leathers e "girth and mirth" (Cintura e alegria, uma outra subcultura da comunidade gay de gordos e obesos), eram em sua maioria homens que lutavam contra a imposição de padrões de beleza física no mundo gay, principalmente o padrão “twink” (jovem, magro e sem pelos) que não correspondia a grande parte da população gay. Também havia no movimento Bear, uma batalha contra o comportamento gay estereotipado, mostrando que gays poderiam atuar como qualquer outro tipo de homem ou trabalhador na sociedade, não precisando tornar-se uma caricatura do que os outros pensavam a respeito de como um homossexual deveria ser/agir.


No Brasil, a subcultura Bear chegou nos anos noventa nas principais capitais do país, transformando milhares de homossexuais em “ursos”. Já menos idealizada, bem mais conhecida e reconhecida, a “comunidade ursina” se tornou um ponto de encontro e porque não refúgio para homens que não se encaixavam nos padrões de beleza masculina atuais, e para admiradores deste biótipo específico. 
Um urso é um homem com pêlos corporais mais protuberantes (ou não), e um corpo maior que o comum, gordo e/ou obeso que já esteja na faixa dos quarenta anos. Felizmente a comunidade ursina tem atraído cada vez mais adeptos aumentando a ramificação de tipos de ursos, os mais conhecidos são os ursos jovens, considerados “filhotes”, outros apenas com pelos corporais e musculosos são conhecidos como “muscle bears”, os que tem apenas pelos e são magros são os “lontras”, e os admiradores de todos estes biótipos (fazendo parte deles ou não) são considerados “caçadores”.
Com o distanciamento da ideologia inicial, a comunidade ursina cada vez mais se tornou um grupo aberto de indivíduos com interesses comuns. Infelizmente isso gerou uma certa padronização comportamental nos ursos. 
Os ursos são tidos como homens do tipo “macho”, que não possuem qualquer tipo de traços homossexuais, devem interagir entre si, deixando muitas vezes os caçadores um tanto isolados e à margem da comunidade.
 Muitos admiradores que procuram o mundo ursino, procuram justamente por esta lenda que é o perfil do urso atual, o machão peludo e musculoso com trejeitos heterossexuais, nos maiores sites de relacionamentos da comunidade ursina é comum encontrar desavisados, ou pessoas que procuram apenas o ideal de urso: “não curto bichas”, “miou acabou o tesão”, “só acima de 50”, “só abaixo de 50”,“não curto gordos”, “curto gordos, não obesos”, “só sarados e magrelos” entre outras coisas pipocam na maioria dos perfis, mas a grande parte dos integrantes de tais sites de relacionamentos buscam apenas o ideal do machão peludo, lenhador, caminhoneiro, musculoso, que não condiz com a realidade da maior parte dos ursos ali cadastrados. Hipocrisia a parte, é óbvio que cada ser humano tem o direito de gostar ou não de um biótipo, um grupo ou mesmo uma característica física que mais lhe aprouver, mas muitos já não sabem mais o que esperar deste grupo que cada dia mais se ramifica, ganha exposição e distancia-se mais de sua origem como comunidade underground da cultura gay. Mas como toda a luta contra a padronização da beleza e do comportamento homossexual que determinaram o surgimento da comunidade ursina, tornaram-se hoje, a sua mais conflitante característica? 
Eu mesmo tenho uma experiência pessoal com a minha breve passagem pela comunidade ursina para relatar. Durante toda a minha vida, fui um urso, mesmo sem o saber. Possuía pelos corporais, estava constantemente e as vezes muito acima do peso ideal, totalmente adepto de tatuagens, piercings, blusas xadrez e barba. E antes do mundo ursino, sempre mantive relações com outros homens que não sei bem o porquê, não me viam como um urso, muito menos eu os via como ursos, lontras, caçadores etc. 
Mas com o passar dos anos a minha capacidade em tolerar a imbecilidade alheia foi diminuindo amargamente, frases como “fulano te achou gordinho demais”, “você precisa perder umas arrobas”, “se você emagrecer você vai pegar todos, você tem um rosto lindo” estavam presentes na minha realidade, não que eu me importasse demais com elas, mas quando fui apresentado ao mundo ursino pela primeira vez, senti que finalmente havia encontrado o meu lugar. Afinal, estaria lidando com pessoas iguais a mim e com pessoas que mesmo não sendo iguais a mim admiravam ou achavam perfeitamente aceitável o que eu era. Ledo engano.
Não me culpem por esta inocente e utópica expectativa, afinal, ainda era um neófito. À medida que me aprofundava no mundo ursino, cada vez mais encontrava pessoas completamente diferentes de mim e a maior parte delas não achava nem um pouco aceitável o que eu era, para minha surpresa, estar dentro do mundo ursino era exatamente a mesma coisa que estar fora dele.
Ou seja, o número de homens interessantes (pra mim) no mundo ursino era tão escasso quanto o número de homens interessantes fora dele. Tive um grande choque ao perceber que minha vida afetiva e sexual não mudaram em absolutamente nada, incluindo minha auto-estima e minha melancolia não haviam sequer saído do lugar. 
O que eu levei muito tempo para perceber, é que o urso lindo e educado que conheci, seria o moço lindo e educado que eu adoraria conhecer, assim como aqueles caçadores super fofos, inteligentes e instigantes seriam os rapazes super fofos, inteligentes, instigantes que eu também adoraria conhecer caso não soubesse da existência do mundo ursino. Com o tempo ficou claro pra mim, que o mundo ursino servia basicamente para reunir pessoas extremamente diferentes com poucos interesses em comum. Resumindo, o mundo ursino é simplesmente o mundo real disfarçado, e isso é maravilhoso.
Hoje em dia não me considero mais um urso, porque percebi o quanto este título é parecido ao título que eu já tinha antes de sê-lo, ou seja: um cara qualquer. Mas sim, quando me chamam de urso, ursinho, filhote, etc, eu tenho um orgulho imenso de ao menos em nome, representar uma ideologia tão nobre, e um grupo de pessoas tão corajosas que são fiéis a seus corpos, aos seus desejos, não importando o que a padronização ou massificação lhes dita. 
E para concluir esta pequena resenha sobre minha visão do mundo ursino, posso dizer que eu, quanto indivíduo, cidadão, sodomita, homossexual, homem acima do peso com pelos corporais, urso, filhote, etc, irei lutar pela igualdade sempre que a diferença me discriminar e lutarei pela diferença sempre que a igualdade me descaracterizar. 





MANUAL SINCERO E PESSOAL DO URSO NEÓFITO


Entrei no mundo ursino sem a menor orientação, escrevi e-mails para as maiores revistas e sites do ramo pedindo dicas de como me comportar no mundo ursino, como utilizar o mundo ursino para me enturmar, e até hoje, não recebi sequer uma resposta. Por isso aqui vai um compêndio da bear-etiqueta pra você não fazer feio e conseguir desfrutar o mundo ursino da melhor maneira possível, seguindo algumas dicas básicas que consegui a duras penas reunir durante este ano. Nenhuma delas pode ser considerada uma regra pois sempre existe a exceção, mas são sinceras e geralmente estão corretas.

1- Se você é gordinho/gordo/obeso saiba que não será idolatrado como um deus no mundo ursino, por isso entre nele com a noção clara de que você não precisa dele para elevar a sua auto-estima e nem para se sentir aceito, você deve fazer isso sozinho e por si mesmo.

2- Se você é caçador e também não se encontra nos padrões do mundo ursino mas gosta de ursos, clássicos ou modernos e se sente de certa forma excluído, recomendo paciência, o seu ursinho vai chegar, seja especifico quanto ao tipo de urso que busca e boa sorte.

3- No mundo ursino os caçadores dizem que os ursos são galinhas, os ursos dizem que os caçadores são galinhas, e todo mundo no final faz suruba. Portanto sem hipocrisia, saiba aproveitar o mundo ursino em geral, e seja bastante enfático quanto aquilo que você realmente precisa, para não se sentir vazio ou decepcionado.

4- Se você é gordinho e tem baixa estima devido a não se encontrar no padrão de beleza atual e acha que no mundo ursino irá encontrar aquele boy magia sarado e lindo que não se importará com suas gordurinhas a mais, tire seu cavalo da chuva, a maior parte dos caçadores deste tipo são divididos em 3 características: procuram homens acima dos 60 ($$$), procuram o padrão urso de filmes pornôs como o Sagat, ou esta ali desavisado sem saber o que é um urso e procura semelhantes, por isso não tente utilizar o mundo ursino para melhorar a qualidade de homens que você pega, mesmo porque já esta na hora de você aprender que qualidade não se define por abdômen sarado ou qualquer outra característica física que esteja na moda.

5- Ursos são passivos, ursos são novos, ursos são velhos, ursos amam moda, ursos são afetados, e o principal ursos também são gordos, vamos parar com essa idiotice que o verdadeiro urso é aquele ator pornô careca tatuado sarado e peludo que come o cara de bota, ele também pode ser um urso, mas isso não faz dele a regra, esta mais para exceção.

6- Particularmente não conheço muitos revistas ou blogs que tratem do assunto de maneira clara para que eu possa recomendar (se alguém conhecer, deixe o link nos comentários), blogs que recomendo são o Woof Brasil (www.woofbrasil.com) e o Bear Nerd (www.bearnerd.com.br/), ambos exploram diversos temas bears e também temas gerais de maneira bem humorada, existe também o maior site brasileiro de relacionamentos ursinos que é bem legal pra você conhecer pessoas interessantes, mas é claro, respeitando as regras acima (www.ursos.com.br), quanto as festas, bares, etc, que acontecem sempre, nenhuma me pareceu diferente de qualquer outra festa, ou bar, etc, mas isso é questão de gosto, se informe e curta muito lembrando das regras acima. Quanto a aplicativos de celular, recomendo apenas o “Growlr” aparentemente é o único aplicativo em que as pessoas parecem saber o que realmente é o mundo ursino.

7- Por ultimo, não se esqueça que qualquer microcosmo é na verdade o macrocosmo em miniatura. Ou seja, os problemas que você enfrenta do lado de cá, enfrentará também do lado de lá. Não encare o mundo ursino como sua tabua de salvação ou sua única saída, encare ele como uma opção e aproveite-a da melhor maneira possível, lembre-se sempre que o mundo ursino é uma versão disfarçada do mundo real, entre nele e seja um urso, um filhote, um muscle-bear, um lontra ou um caçador, mas acima de tudo, esteja preparado para ser aquilo que você realmente é, seja você o que for...


É bem isso meus queridos.
Beijos sinceros.