30 de março de 2012

A ponte

Edward Burne Jones - O Espelho de Vênus



“Quando eu cresci, descobri que existiam outras versões para a criação do mundo.  Uma delas, fala não de um Deus, mas de uma Deusa sem nome que dançava sozinha no vazio do infinito. Lá, a Deusa encontrou um espelho criado por sua própria vontade, e nele, viu sua porção masculina. Como ela não tinha forma, apaixonou-se pelo seu reflexo e fez amor consigo mesma, criando assim o universo.”

Trecho extraído do curta-metragem 'Paz'.



Estática como pedra no meio da ponte ela vivia, ninguém mais sabia seu nome ou origem, os de sua era há muito tempo já haviam sido semeados no chão. Só restava ela, a pobrezinha, no meio de uma ponte que cruzava um ribeirão. 
Seu corpo era frio e maciço como o mármore, depois de tanto tempo ainda aparentava a mesma cor suave, quase como uma aparição, leve, seu vestido farfalhava sobre a madeira da ponte à menor brisa, dando a impressão de que lá flutuava.
As senhoras da região persignavam-se ao encará-la, jamais alguém havia chegado perto o suficiente para constatar se era uma moça que ali estava ou apenas uma antiga escultura, perfeita e esquecida, cujo artista já ninguém se lembrava.
Haviam várias pontes sobre aquele ribeirão, que também não era de grande importância para a região, o motivo de ela estar plantada ao meio daquela ponte em particular era um mistério que assombrava a todos que por ali passavam.
Os antigos diziam-na encantada, que um dia fora uma moça rica e abastada, vestida com as mais puras fazendas, ornada de pérolas virginais, despertou a paixão em todos os jovens imaturos de sua época, gajos sem posse a desejavam em segredo, os homens casados queriam tê-la conhecido primeiro, mas o seu virgem coração intocado a nenhum deles pertencia, pois de fato era tão jovem a donzela que nem mesmo sabia o que queria, e então, ao rejeitar seu ultimo pretendente, este lançou-lhe o terrível malefício que a deixou na situação em que ainda se encontra. Ficaria parada quando sentisse vontade de andar, tornaria o amor impossível quando ela se propusesse a amar, não chegaria a nenhuma conclusão quando se colocasse a pensar, não escutaria nada quando outros viessem lhe falar, e somente quando um rapagão dotado de tudo o que ela precisasse, seu caminho enfim cruzasse, estaria ela então liberta os grilhões da vil maldição. Imediatamente a moça pôs-se congelada, perdida dentro de si com a praga a lhe rondar, converteu-se numa estátua viva no meio da ponte onde hoje é o seu lugar.
Em sua época este fato foi contado em todo canto da terra, e muitos vieram tentar quebrar-lhe o feitiço. Homens belos tocavam-lhe os lábios com beijos, homens ricos ofereciam fortunas aos seus pés, os mais velhos despejavam em seus ouvidos a sua sabedoria, os românticos cantavam dia e noite para ela, mas nada lhe quebrava o encanto.  E depois de tantos anos, acabou esquecida, parada ali ainda, entre o começo e o final do caminho, no meio da ponte que cruzava o ribeirinho. 
De tanto observar o tempo passar ao seu redor, o inverso aconteceu, e por isso a donzela não envelheceu um só dia. Congelada pela antiga magia do rapaz que lançou-lhe o sortilégio, ele depois disso nunca se arrependeu, antes que o obrigassem a dizer o que disse ao contrário, enforcou-se solitário no alto de sua torre sem qualquer testemunha. 
E lá estava ela, esperando pelo rapaz da profecia, um moço encantado que possuindo um só corpo, estaria este bem aventurado, dotado de tudo o que ela precisasse.
Aconteceu então numa manhã de uns tempos atrás, que a moça não quis perceber mais nada, sabia que estava para sempre encantada e que todos os seus sonhos haviam ficado para trás. E a maldição que tudo invertia fez seu trabalho maléfico, e então ao não querer perceber mais nada, a moça começou a perceber tudo. 
Ouviu o barulho do riacho abaixo de seus pés, sentiu a firmeza do chão de madeira em que pisava, o vento farfalhando a seda de seu branco vestido, os pássaros cantavam, as flores ainda cheias de lágrimas orvalhadas e o sol nascia em mais uma manhã. Sozinha, no meio da ponte, sentiu-se emocionada, e ao querer chorar, não chorou.
Nunca quisera estar ali e por isso mesmo ali permanecia, não importava o quanto desejasse o contrário, o oposto ainda acontecia, pois a maldição não estava em sua mente mas sim, em seu coração, este órgão vital que enganar ela não podia.
O que realmente precisava, mesmo depois de tantos anos ainda não sabia, e quanto mais pensava menos entendia, como alguém poderia lhe oferecer tudo o que quisesse, se ela nem ao menos tinha idéia do que queria. 
E então quanto mais para dentro de si ela fugia, a maldição a jogava para fora dela, e lá enquanto percebia o que nunca quis perceber, e não chorava as lágrimas que queria chorar viu um jovem aparecer. 
Não era em nada especial, nem mais alto, nem mais baixo, nem mais belo do que qualquer um dos tantos homens que já havia visto por ali, tinha uma aparência calma, segura e em suas mãos segurava uma fruta que mordia com vontade. Ela quis sentir o gosto daquela fruta e por isso não o sentiu, nunca tinha visto aquele rapaz, com certeza não era da região, nem alguém que sempre passasse perto do ribeirão, provavelmente viera de longe para ver a moça que ficava parada na ponte como tantos outros antes dele. 
Não queria notá-lo, e por isso o notou, percebeu quando ele arregalou seus olhos claros ao vê-la ali, olhou para os lados e caminhou em sua direção, a moça advertiu a si mesma para não ter esperanças de que aquele era o rapaz perfeito, e por isso mesmo todas as esperanças de seu ser a invadiram, ele parou a sua frente encarando-a nos olhos, perguntou-lhe qualquer coisa que quis ouvir e por isso não ouviu, não sentiu o seu cheiro, nem o toque de suas mãos, nem mesmo quando ele precavido, observou se alguém estava passando, e logo em seguida colocou o rosto dela entre ambas as mãos e a beijou, provavelmente com o gosto daquela fruta que ela jamais sentiu. Se limitava a olhá-lo no fundo de seus olhos claros.
Presa dentro de si não podia corresponder qualquer contato dele, angustiada se acalmou, e inconformada se conformou, e mais uma vez foi obrigada a lidar com a situação quando tentava fugir dela, percebeu tudo que envolvia os dois naquele momento, o rapaz a sua frente, o sol, a água, o dia se iniciando.
Não precisava de mais nada, depois de tantos anos confinada dentro de seu corpo, a garota não tinha mais nenhum desejo, nenhum pensamento, tudo foi interrompido em seu ser. Não podia ser o rapaz, não era com certeza a manhã, depois de tantas manhãs iguais aquela e de tantos rapazes como aquele, era ela que havia mudado, algo estava diferente. 
Não queria chorar e por isso as lágrimas lhe brotaram, sabia que ele não era o rapaz que lhe quebraria o encanto e por isso mesmo era ele, e quando teve medo de se apaixonar, apaixonou-se, e quando quis se encantar, a moça que já estava encantada, desencantou-se. Com alguns passos, enfim atravessou a ponte sobre o ribeirão, não mais sozinha, mas de braços dados com o formoso rapagão.
Mas não meu caro cidadão, não foi o beijo do rapaz que despertou a paixão e pôs um fim ao encanto, acontece que quando o olhou nos olhos, a moça se viu refletida neles, a sua própria imagem estava nas pupilas claras do rapaz.
Pela primeira vez um homem colocou diante dela tudo o que ela sempre precisara para quebrar o encanto, cruzar a ponte, apaixonar-se e enfim saber o que tanto buscava no mundo e nunca havia até então encontrado. 
Ela mesma, dentro dos olhos de alguém.




MORALIDADE

Não entender o coração é um crime normal 
Não querer o que se quer é coisa muito ruim,
Desejar o que não se sabe pode lhe fazer mal
Se a jornada para encontrá-lo nunca tiver fim

E no meio deste caminho não se pode parar,
Entre o fim e o começo ninguém pode viver,
É preciso que o termine para poder recomeçar,
Tomando sempre cuidado para não retroceder.

Uma jovem donzela por tudo pode e deve esperar, 
Um cavalheiro galante e rico pode lhe aparecer, 
Mas se nada disso for o que seu coração precisar, 
O quê mudaria para ela se isso viesse a acontecer?

Ser completa, é de todas as missões a mais terrível,
Bem mais difícil do que estar apenas apaixonada, 
É poder aos olhos do ser amado sentir-se visível, 
Para desfazer o feitiço e ser de novo encantada...





Perla

Conto e moralidade escritos para uma das princesas 
que habitam meu reino, Perla
Beijos sinceros. 




2 de março de 2012

Roberto C. Rodríguez, tem um pássaro no seu cabelo...

Sleeping Prince - Dianne L. Gardner



Jaú, 29 de Fevereiro de 2012

“Relacionamentos íntimos não podem substituir o seu plano de vida, mas para ter significado e validade, um plano de vida deve incluir relacionamentos íntimos.” 


Sabem quem disse isso? Não, não foi Jesus, foi Harriet Lerner, psicóloga, socióloga, palestrante e autora do Best-Seller “Franny B. Kranny, tem um pássaro no seu cabelo”. Não sei se devo culpar (ou agradecer?) os movimentos elípticos lunares, as constantes e ininterruptas mudanças drásticas da minha vida, a uma força maior e racional que controla o universo, mas, a verdade é que ultimamente eu não tenho pensado em relacionamentos amorosos. De verdade, não tenho pensado mesmo, em nada. Em beijos, em sexo, em amor, em casamento, em nada disso, e já faz um bom tempo desde que este tipo de pensamento, antes constante na minha realidade, me deixou completamente.  
Estou solteiro há três anos, e tenho encontrado grande dificuldade em me aproximar ou mesmo me relacionar com as pessoas, até mesmo com amigos e familiares, não sei se estou passando por um período de alomorfia ou algo assim, só sei que este tipo de ambição amorosa me deixou e buscando nos meus recôncavos mais convexos, encontrei o último “texto” em que me vi pensando neste tipo de coisa, faz um certo tempo desde que postei um texto mais pessoal aqui no blog, ultimamente tenho postado mais crônicas, contos e poemas aleatórios, mas sinto que será no mínimo divertido dividir com vocês agora, sem frescuras, em caráter pessoal, o meu último devaneio sobre um futuro pretendente. Quando fazia faculdade de História da Arte em São Paulo, não tinha acesso a internet o tempo inteiro como hoje, então era um costume usar um gravador portátil para registrar longas conversas comigo mesmo e possíveis postagens futuras do blog nele, então vou transcrever (palavra por palavra) o último registro que consegui obter de mim mesmo, quando eu ainda sonhava em dobrar, em ter um namorado  e como eu esperava (gostaria) que este fosse. 

p.s. os pontos de interrogação, demonstram a minha indignação ou minha falta de compreensão com o que eu disse naquela época, afinal nem eu consigo me entender.


Apreciem.


17/05/2010

“(...)Acho que ultimamente me tornei um homem bem mais razoável, quer dizer, busco apenas um cara que seja gay (?), preferencialmente os que estão do lado de fora do armário, lógico, e que não tenham carro (?) , porque não há nesse mundo coisa mais romântica do que dar as mãos as escondidas em um ônibus, beijar sorrateiramente no metrô, fugir dos skin-heads na Augusta como se não houvesse amanhã(?), porque provavelmente não haverá amanhã mesmo para você se eles te pegarem, e finalmente ficar na sala de espera da UTI esperando seu namorado (que não corre tanto quanto os skin-heads) sair do coma depois da surra que levou (?). 
Sabe, ter um companheiro pra discutir questões relevantes como, “quem veio primeiro, o ovo ou a Madonna?” (?), ou qual é o KY mais legal, aquele que esfria (e da a sensação de que você esta fornicando com o cabo do remo de um caçador de baleias esquimó no Alaska)(?), ou aquele que esquenta (e da a sensação radical de que colocaram dentro de você o cabo quente da metralhadora de um guerrilheiro xiita depois dele ter assassinado vinte infiéis)(?), não que eu já tenha experimentado ambos, lógico. 
Encontrar um rapaz que não se importe também, caso eu não tenha o corpo do David de Michelangelo com o pênis do deus pagão Príapo, afinal, desde Adão e Eva, nós, gordinhos tensos, temos sido perseguidos! (?) Essa é a mais pura verdade, aposto que quando Eva ia devorar uma “bistecona” bem gordurosa e suculenta, e se acabar no churrasco feito de gado alimentado com produtos orgânicos e naturais que Adão estava preparando, surgiu a maldita serpente vigilante do peso revendedora da Herbalife(?), e a aconselhou a comer uma coisa mais leve para não engordar, como uma frutinha por exemplo, rica em fibra e o caralho a quatro, bem, o resto da história vocês já conhecem. 
Ainda assim, acho que Eva foi mais feliz que qualquer ser humano que vive no século XXI, afinal Adão não tinha uma ex (Descobri que segundo a cultura hebraica ele tinha sim, e ela não só ouviu o conselho da serpente, como também decidiu abandoná-lo pra ficar com a serpente, mas essa é uma outra história), as expressões “acima do peso ideal”, “padrão de beleza atual”, “celulite”, “estria”, ainda não tinham sido inventadas, e se Eva por acaso se sentisse insegura quanto a fidelidade do seu parceiro, bastava ela contar suas costelas para verificar se tinha alguma vagabunda nova na área(?).
Acho que vou morrer sozinho.”


Eu hein!? Sem comentários...
Beijos sinceros.