26 de dezembro de 2010

A contemplação do relógio...

The Complain of the Watch - Jean-baptiste Greuze



"O amor vem, e vai, depois vem novamente,
 Se você tentar segurá-lo ele fugirá de você,
 Mas se você fugir dele, ele te segurará..."
 
 La Habanera - Carmen de Bizet




Dizia o poeta que o sentimento da tristeza, é como um muro alto erguido entre dois jardins florescentes. Este tipo específico de tristeza a que o poeta se refere, impede a felicidade não só de uma parte, mas da outra também. Um muro, dois jardins.
Enquanto fumava um cigarro agora, escutava "La habanera" uma das áreas da ópera "Carmen" de Bizet, uma música de beleza e sinceridade inigualável, a área começa justamente com a protagonista (Carmen) se perguntando quando conseguirá amar realmente? Nunca? Amanhã? "Hoje com certeza não!" ela declara.
Depois deste início onde Carmen expõe sua atual situação de querer amar, e não ser capaz disso, ela segue filosofando à respeito do amor, com a célebre frase que inicia a canção "L'amour est un oiseau rebelle que nul ne peut apprivoiser..." (O amor é um pássaro rebelde que ninguém nunca conseguirá aprisionar).
Não pude deixar de me comover com sua opinião sobre o amor, e de me perceber na mesma situação dela. Quando eu amarei? Nunca? Amanhã?
Hoje, particularmente, tive a oportunidade de observar de perto, diversos tipos de casais: casais que estão longe e se encontram finalmente com o amor transbordando visivelmente, casais que estão longe e acabam brigando por problemas inexistentes que são filhos da insegurança e da distancia, casais que se amam mais quando estão longe do que perto, e casais que se separaram, mas que a ausência um do outro, serviu para deixar mais evidente a melhor parte de ambos.
Lembro-me perfeitamente, na época em que cursava História da Arte na UNIFESP, uma docente de "Arte do Século XVIII-XIX" mostrou-nos um quadro maravilhoso de um dos maiores nomes do rococó francês, Jean-Baptiste Greuze, o quadro era "A contemplação do relógio", e ilustrava uma camponesa em seu quarto, esperando o retorno de seu amante, esperando o retorno de seu amor, tudo está bagunçado, tudo esta fora de seu lugar na pintura, exceto ela e seu relógio, ambos esperando.
Eu, Carmen e a camponesa de Jean-Baptiste Greuze esperamos o amor, mesmo sem saber o que esperar do amor. O que ele é ou como ele chegará? Como saberemos que é ele, ou se nos perdermos no caminho, como reencontrá-lo? O poeta tenta explicar o amor como uma flor com a capacidade de desabrochar em todas as estações. 
Concordo.
O amor não segue as mesmas leis da natureza, no inverno ele não hiberna, na primavera ele não floresce, e talvez, nem mesmo se esquente no verão. Ele não possui leis ou métodos, não podemos quantificá-lo, ou retribuí-lo. O amor pode sim, desabrochar em qualquer estação, mesmo que o frio e as tempestades possam matar suas belas flores, eles nada podem fazer contra suas sementes, o amor perdura. As próprias flores só desabrocham para continuar a viver, pois reter é o mesmo que morrer.
A consciência de uma flor no meio do inverno não está voltada para o verão que passou, mas para a primavera que irá chegar. A flor não pensa nos dias que já foram, mas nos que virão. Se as flores estão certas de que a primavera virá, por que nós sofremos antecipadamente, custando a acreditar que um dia o amor nos alcançará?
Por isso, no final deste post, antes que este ano termine, juro pela deusa Hera/Juno Lucina, que não buscarei o amor apenas para evitar os momentos a sós com a minha solidão, para provar que ele existe ou para passar meu tempo. Vou buscá-lo para minhas horas vivas, para que ele preencha todas as minhas necessidades, não o meu vazio.


"O amor é filho de um homem boêmio,
 por isso não conhece leis..."
La Habanera - Carmen de Bizet


p.s. crônica escrita em homenagem a minha grande amiga e leitora Deborah Torrezan.
p.s.s. o poeta a quem me referi várias vezes é Khalil Gibran.

 
Um beijo sincero.




20 de dezembro de 2010

2010, A Tragédia do Homem Comum

John William Waterhouse - Merman



"A tragédia do homem despreparado para a tragédia;
 Esta é a Tragédia do homem comum.
"

Philip Roth



No fim do inverno, ele tomou um onibus em direção a cidade grande de onde escapara, ela escapara entre seus dedos, e ele escapara no meio de suas ruas. Sobravam-lhe agora apenas alguns dias antes que tivesse de estar de volta ao Interior. Antes, trabalhava como Intérprete na Galeria de Arte do Centro Brasileiro Britânico, estava (re)começando a vida acadêmica, cursava desde Fevereiro "História da Arte", se apaixonara pelo curso, e este amor foi correspondido. Era também um poeta, mas não mencionava isso a menos que fosse algo que as pessoas já soubessem.
Durante poucos meses esteve envolvido com um homem da cidade. Até onde sabia, isto estava terminado.
Havia percebido uma coisa sobre si mesmo nessa ultima viagem à cidade grande. É que as pessoas não estavam mais tão interessadas em conhece-lo. Não que tivesse gerado tanto alvoroço antes quando chegara pela primeira vez, para ficar, mas, houvera alguma coisa com que podia contar.
Tinha vinte e três anos, e estava solteiro a dois. Não tinha ficado mais gordo ou mais magro, sua aparência não se deteriorara de nenhuma maneira alarmante, no entanto havia deixado de ser um tipo de homem, e se tornado outro, e só percebera isso nessa viagem.
Impelia-se a acreditar numa força maior, talvez o destino ou os deuses, não que qualquer um destes um dia  tenha lhe dirigido a palavra, mas quando se esta completamente só, sente-se que o único objeto inanimado é você mesmo, as xícaras estão de tagarelisses com os pires, estes por sua vez com os balcões, e ele solitário, alheio a essa conversação inaudível, inanimado.
Abriu as caixas, e embrulhando as louças falantes desajeitadamente, começou a organizar sua mudança. Não havia decidido se queria ou não mudar, mas isso pouco importava agora, a mudança estabeleceu-se antes dele, e tudo o que podia fazer por hora era se adaptar.
Não sabia lidar com mudanças drásticas, sofrera ao mudar-se, ao adaptar-se, ao ser sozinho. Tudo mudaria, estaria cercado de pessoas novamente, mas desta vez, estaria mais ausente de si mesmo.
Foi essa a maior mudança que o ano lhe trouxera, lhe tirou um pouco de si mesmo. A mudança estava pronta. Iria voltar, iria embora, e ao ver as malas feitas, as louças caladas, e os móveis brancos desmontados, sabia que era verdade. Ele mudaria.
Estava leve, deixou um grande pedaço de si mesmo para trás, carregou sua mala com roupas que futuramente não lhe serviriam mais, mas havia espaço de sobra em qualquer canto, afinal, desta vez, não levaria sonhos junto de si.
Ele era agora um homem apagado, que perdera-se de seu dono, como o móvel juntando poeira, o corpo fora de forma, as tatuagens inacabadas, a barba por fazer, o cabelo preguiçosamente raspado. Ele era um homem abandonado, abandonado por sua parte mais forte.
Não tinha projetos a longo prazo, nenhum. Não tinha sonhos ou metas para o próximo ano. Não sabia se lhe seria devolvido o "si mesmo" roubado pelo ano que agora terminara.
Esperava ansiosamente a chegada do outono, quando pretendia recolher-se. Aprendeu sozinho que num ano de mudanças, o coração se parte, ou se perde.



p.s. que o próximo ano me encontre, e me devolva a mim mesmo.


1 de dezembro de 2010

O Mar cor de Vinho.


   Amar e mar, são praticamente sinônimos e antônimos de si mesmos para mim. Nada pode ser tão abrangente, infinito, profundo, e ao mesmo tempo, tão radical, tempestuoso e solitário quanto o mar. Amar é ter um mar dentro de si, desaguando, revolto, querendo chegar a praia, querendo sair, conquistar novas paredes, romper novas fossas, inundar nuas costas.
 Amar é ir contra a natureza e segurar esse mar. Prender a pérola dentro da ostra, calar as sereias, desencalhar todas as baleias e sumir dentro da própria imensidão, sem deixar traço, nem marca, nem castelo atrás de si.
 Amar é mar, porque sentimos suas ondas, seus perigos, sua paz, seu prazer, em ambos, pisamos com cuidado, evitamos o ferrão da raia, a queimadura da água viva, o buraco profundo onde nos afogaremos, mas insistimos, jogamos tudo para o alto e chamamos de destino, mandamos flores pra Yemanjá, e afogamos Santo Antônio, julgando que são seres distintos, ascendemos velas e mergulhamos, e contamos sempre com um salva-vidas por perto. Mas ele só nos salva da água salgada do mar, do sal das lágrimas, até hoje não achei alguém que pudesse me salvar.
 O amor e o mar, são o mesmo, e se são diferentes devem ter algum parentesco. Os observamos desde o caldo primordial, o mar se oferece sem acanhos, com lendas, refrescos, ressacas e ondas. O amor não se oferta, se conquista, se tira gota a gota, cada uma infinda de prazer, e dor. Depende da medida.
O amor é como o mar, seja morto, glacial ou pacífico...
Nos cerca mesmo quando não damos conta, nos salga, nos tempera, nos romantiza, reflete a lua, e a ironiza.
A lição aqui a se aprender, é que sempre vale a pena explorar aquilo que no fundo tenta se esconder. A pérola na ostra, a sereia nos corais, os golfinhos em Galápagos e os sentimentos nas zonas abissais.


p.s. E que o Deus do Mar cor de Vinho proteja a felicidade de todos nós.
"Me ensina a fazer renda sereia,
Me ensina a namorar..."